N.º 10 – Março / Abril – 1999


ÍNDICE

Editorial

A Missão de Madagáscar (continuação)

Na cidade da luz

Tradições e costumes

Os cristãos e a auto-suficiência financeira

A identidade vicentina

Crónica do Lar

O Papa pede missionários para Moçambique

Um novo Seminário!?

Seminários vazios em Angola

JMV do Chókwe

Assembleia Internacional Vicentina, em Fátima

A formação apostólica.

Com o José Rombe

Três momentos, na vida do vale do Limpopo

Notícias das comunidades

Deus vivo para mim...


Editorial

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Mês de Maio, mês de Maria!

O Tambor está feliz por poder entoar os louvores de Maria, Nossa Mãe; por poder cantar com ela as maravilhas de Deus. Mas não esconde a sua tristeza por já não poder contar com as vozes e ritmos das nossas irmãs. Na verdade, as Filhas da Caridade optaram inesperadamente por fazer o seu próprio Boletim... Por isso o Tambor ficou mais pobre e monótono, um pouco desanimado... Mas não vai desistir!

Neste Ano do Pai e particularmente neste mês, ele quer convidar a olhar para Maria como o Rosto materno de Deus, pois foi Jesus quem a deu por mãe à sua Igreja; ele quer convidar a olhar para Maria como aquela que acolheu no seu seio e no coração o próprio Mistério de Deus.

Estamos ainda a celebrar o Mistério Pascal que se prolonga na celebração de outros Mistérios. Deixemos que Maria, através das nossas devoções e orações marianas, das nossas peregrinações, nos abra a porta para acolher os Mistérios que se aproximam:

Com Maria, vamos celebrar o Mistério do Pentecostes, pois ela esteve presente no cenáculo, e, como ninguém, soube acolher com fé e humildade a acção do Espírito de Deus.

Com Maria, vamos celebrar o Mistério do Corpo de Deus, o Senhor presente na Eucaristia, o seu Filho, carne da sua carne, sangue do seu sangue, o "fruto bendito do seu ventre".

Deixemo-nos conduzir, passo a passo pela mão de Maria, Nossa Mãe, que pelo seu Filho Jesus nos leva ao Pai, no Espírito Santo.

P.D.


A Missão de Madagáscar (continuação)

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Vicente de Paulo, missionário entre os missionários

Em Madagáscar, a Ilha sob o Capricórnio, como lhe chamava S. Vicente de Paulo, estava tudo por fazer quando, em 1648, ali aportaram os missionários Nacquart e Gondrée.

Encontraram dificuldades de toda a ordem, quer do lado dos colonos – na maior parte aventureiros, ex-presos, gananciosos e imorais –, quer do lado dos nativos – vítimas de guerras injustas, roubos, incêndios, mortes e imoralidades. As distancias e dificuldades das comunicações, aliadas a um clima adverso tornavam a missão quase impossível.

Gondrée morre no mesmo ano em que chegou. O seu companheiro fica então sozinho. Cheio de qualidades e zelo apostólico dedica-se a um intenso trabalho missionário. Sonha com uma igreja a construir, uma comunidade de seis missionários, um seminário para indígenas, quatro irmãos para o ensino de artes e ofícios, Filhas da Caridade... As quatro cartas que escreve a S.  Vicente são importantes documentos informativos. Pergunta, com Francisco Xavier, onde estão os doutores que perdem tempo nas universidades, enquanto há falta de quem parta o pão aos infiéis... Parece Ter iniciado a composição de um Catecismo Malgache... Mas, em menos de dois anos, morre vítima da sua intensa actividade e das condições adversas do clima.

Seguiu-se, em 1654, uma Segunda leva de três missionários com êxitos semelhantes à primeira: a saúde dos missionários resistia pouco tempo.

No ano seguinte partem mais três, mas um morre mesmo durante a viagem, ao chegar a Cabo Verde e é lançado ao mar, "o cemitério dos que morrem nele" – comenta S. Vicente. E os outros encontraram a morte poucos meses depois de chegarem.

Em 1658, preocupado por não receber notícias, exclama S. Vicente em Paris, perante a comunidade: "Padre Bourdaise, está você vivo ou morto? Se está vivo, queira Deus conservar-lhe a vida. Se está no Céu, reze por nós". De facto ele tinha morrido há mais de um ano, com um ataque de disenteria.

Das três expedições seguintes de missionários, uma falhou, por naufrágio do navio; outra sofreu o assalto de corsários; e a última encalhou junto ao Cabo da Boa Esperança, tendo os missionários de regressar a França.

Quando, a 27 de Setembro de 1660, morre S. Vicente, nem um só dos seus missionários vive em Madagáscar.

No entanto, no passado, como no futuro, Vicente de Paulo, missionário entre os missionários, está por detrás de todas estas aventuras e heroísmos.

Humanamente falando os resultados não pareceram corresponder ao esforço. Porém, o impulso missionário que Madagáscar deu à Congregação da Missão vai perdurar, enquanto esta existir. É a herança do espírito do Fundador.

O novo Superior Geral, Padre Almeras, manterá viva a chama missionária, enviando, nos doze anos seguintes 33 missionários. Destes, só dois regressaram vivos. A situação na Ilha e das viagens tornou-se tão insustentável que a Missão teve de se interromper. Mas os missionários vão ficar por ali perto, exercendo bela actividade nas Ilhas Mascarenhas, Maurícias e Reunião, onde perduram sinais da sua passagem.

Em 1896 reabriu a Missão. Os missionários fixaram-se em Fort-Dauphin, actual Tolagnaro. E daí partiram para o trabalho sistemático de evangelização do Madagáscar Meridional, região vastíssima e também a mais agreste e desfavorecida da Ilha, hoje dividida em várias dioceses.

Pode dizer-se que os Missionários Vicentinos e as Filhas da Caridade estão ali em pleno desenvolvimento. No passado ano formaram-se 13 Irmãs no Seminário Interno das Filhas da Caridade; e no Seminário Maior de Fianarantsoa, trinta estudantes preparam-se par o sacerdócio.

Com razão escreve o P. Benolo, Vicentino Malgache:

«Os sacrifícios do passado não foram em vão. Já se pensa na missão ad gentes como outros fizeram para Madagáscar. As Filhas da Caridade enviaram uma irmã para os Camarões e outra para a Mauritânia; os Padres da Missão enviaram um confrade malgache para Moçambique. Mas mesmo em Madagáscar há regiões inteiras que precisam do anúncio do Evangelho. E é tempo também de investir nas actividades próprias do nosso carisma: o serviço ao clero diocesano, os retiros, as missões populares... O futuro está na juventude. Graças a Deus o número de candidatos está em franco crescimento. Mas não pode haver a tentação do número nem descuido no discernimento vocacional.

Eis realizadas as palavras do Fundador: "Deus, às vezes, oculta aos seus servidores os frutos do seu trabalho por razões muito justas, mas não deixa de triunfar e muito, ainda que os missionários não vejam os resultados".

P.S. 


Na cidade da luz

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As nossas irmãs Gilda Sitoe e Ana Maria Judas participaram na Sessão Vicentina, em Paris, França. O Tambor querendo propalar esta feliz oportunidade, estabeleceu o seguinte diálogo com a Gilda:

 Ir. Gilda, que expectativas tinhas a respeito desta sessão vicentina?

Para já, nem sequer esperava ir... A oportunidade foi por isso mesmo muito marcante. Além disso esperava encontrar um ambiente muito luxuoso, longe da minha realidade de moçambicana... Pensava que ir à Casa Mãe era algo muito grande, nem sei explicar. Mas certo é que uma coisa é ouvir falar da Casa Mãe e outra é ver e estar lá para fazer o confronto. Mas, é verdade que em mim havia um grande desejo de aprofundar o espírito dos Fundadores, conhecer bem as riquezas que nos deixaram e que conservamos.

 Como resumes a vivência desta Sessão Vicentina?

Para mim foi uma bela experiência de enriquecimento. O facto da Companhia ser internacional não dificulta a vivência do espírito: ele é o mesmo. Isto verifiquei, e não haja dúvida – humildade, simplicidade e caridade serão sempre as nossas virtudes, em todo o mundo.

 E, qual foi a experiência ou acontecimento que mais te marcou Gilda, nestes dias para ti inesquecíveis, na Casa Mãe?

A simplicidade, não só da Casa Mãe, mas também das Irmãs. Tudo era muito simples.

 A Capela das Aparições e o Santuário da Virgem Milagrosa tocaram o teu coração?

Com certeza. Aquela multidão de peregrinos que constantemente entram e saem, os seus gestos de oração e fé... o silêncio que ajuda a reflectir...

 Ao que parece ainda sobrou algum tempo para "turismo"? Por onde andaste?

Não é fácil responder, pois vi tantas coisas que para as descrever ocuparia muitas páginas do Tambor. Vou enumerar alguns lugares: Chartres, onde Stª Luísa ofereceu a Companhia a Nossa Senhora; o Berceau, onde nasceu e cresceu S. Vicente de Paulo; Reuill, onde Stª  Catarina viveu e morreu (estão lá as suas relíquias); Clichi, onde S. Vicente foi pároco; Dax, aonde ele morou, como estudante... Fui ainda a Lourdes e outros lugares inesquecíveis. Foi um dom tão grande para mim, que nem sei como retribuir ao Senhor e às pessoas que me possibilitaram esta experiência.

 Parece que eras a única moçambicana. Como te sentiste?

Apesar de ser a única moçambicana sentia-me muito bem, porque era Filha da Caridade. Fiz muitas amizades e comunicava-me com toda a gente.

 Que mais se te oferece dizer-nos?

Gostei dos temas que foram tratados, sobretudo dos trabalhos de grupo e das intervenções do Conselho Geral, ao falar da Identidade da Filhas da Caridade, Vida Fraterna, Serviço dos pobres.
Só espero que o Senhor me ajude a transformar tudo o que vivi em força para minha caminhada como Filha da Caridade e consequentemente também para a nossa Província. Merci!

 

Pelas Filhas da Caridade


Tradições e costumes

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Ritos funerários

Na sociedade macua (Namyalo-Nampula) quando morre uma pessoa "pagã", isto é, que não pertence a nenhuma religião oficializada, as pessoas ligadas a ela por afinidades que não os laços consanguíneos, os chamados anavili, exteriorizam uma grande alegria, como se de festa se tratasse.

A função destes anavili é maltratar fisicamente o corpo, chegando mesmo a levantá-lo ou a sentá-lo para fazer os seus ritos purificatórios. Eles têm até autoridade para fazer parar o cortejo funerário quando se dirige ao cemitério. Cantam glórias, entoam elulu (alaridos) e tocam batuques em tonalidade festiva. Comportam-se como se o cadáver estivesse vivo, pois dizem que está a dormir.

Todas estas práticas e rituais são uma tentativa de fazer o corpo entrar em comunhão com a divindade, pois que estava impuro e deve ser purgado.

Os anavili só libertam o corpo para a família se forem pagos em dinheiro ou com um pote de nipa (aguardente). Só assim deixam o corpo em paz.

Então, o corpo é enterrado juntamente com uma panela de farinha e uma cabaça cheia de água. Tudo preparado pelos anavili. A farinha e a água da cabaça são alimentos para o morto na vida do além.

Assim se espera que não volte a incomodar os vivos!

Hélio Ramos


Os cristãos e a auto-suficiência financeira

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No Chókwe, nos inícios de 1998, houve recuperação de edifícios, em especial da Igreja Paroquial, do Salão e da Residência Paroquial. Todos estes trabalhos foram realizados com a ajuda monetária dos irmãos de fora. A Comunidade Paroquial entendeu o sacrifício desses irmãos. Por isso, uma cristã, a Vovó Isaura, em reunião de mamanas, sugeriu que cada família cristã ajudasse com um mínimo de 10 mil meticais por mês, para as despesas da igreja.

Esta valiosa ideia foi aprovada pelo P. Sebastião Mendes, o Pároco, e o Conselho Paroquial. Com essa sugestão teve início o Movimento do Dízimo. Embora tenha sido difícil inicialmente – pois poucas famílias entendiam a necessidade e o sentido da auto-suficiência financeira –, aos poucos aumentaram as adesões. Sobretudo porque o pároco teve paciência de imprimir a dinâmica para se iniciar. Alguns Vicentinos percorreram as casas das famílias católicas com uma carta circular que melhor esclarecia o sentido e a necessidade do Dízimo, numa comunidade paroquial.

Esta experiência, em 1998 rendeu mais de nove milhões de meticais. Com isto, a paróquia pôde cobrir as suas despesas ordinárias e pagou uma dívida de seis milhões, derivada da compra de bancos para o Salão. Temos esperança que com o apoio ao Dízimo, os paroquianos cobrirão as despesas feitas na reforma dos telhados da Sacristia e do Salão Paroquial.

Hoje, a Comunidade Paroquial sente-se estimulada para colaborar nas despesas da Igreja sem esperar sempre ajuda externa.

Os jovens das Conferências Vicentinas, hoje em bom número de trinta, continuam a realizar infatigavelmente os seus trabalhos, sem esquecer o apoio ao bom funcionamento do Dízimo.

Conferência Vicentina de Nosso Senhora

Maximiano Kolbe, SSVP

 


A identidade vicentina

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Escrever sobre S.  Vicente de Paulo é trabalho difícil, digno de hagiógrafo que o tivesse conhecido e com ele privado. Mas como importa que o Grande Santo, fisicamente desaparecido, seja apresentado a quem já não o conheceu, vou arriscar. Necessário se torna, pois, trazê-lo, de novo, até nós, recordar a sua obra e o que ele foi, fazê-lo ressurgir no espírito de cada um dos seus seguidores.

Homem de grande inteligência, de vastíssima e alta cultura, exprimindo-se – quer escrevendo, quer falando – com admirável precisão, empregou todas as suas qualidades, adquiridas ou inatas ao serviço dos pobres.

Para Vicente, os pobres são um lugar de encontro com Cristo, por isso os assistia com carinho e total doação.

A força da sua missão buscava-a no Evangelho de S. Lucas, 4, 18, fazendo suas as Palavras do Senhor «O Espírito do Senhor me ungiu».

Vicente de Paulo era inimigo implacável da pobreza gerada pelas calamidades e guerras francesas do século XVII. Elas lhe fizeram pagar caro essa inimizade, exigindo a total entrega de si mesmo e fazendo-o mendigo de imensos recursos em benefício dos necessitados. Aos que se propuseram segui-lo ensinou a amar o que ele amou e a praticar o que ele praticou.

As conferências aos Missionários e às Filhas da Caridade, bem como a experiência que nos é transmitida na nossa formação são prova desta asserção.

Hoje aquilo que Vicente de Paulo fez ainda continua a ser feito pelos seus seguidores. O estilo de vida de C. M. faz dos vicentinos uma unidade: guardam a mesma identidade em qualquer lugar onde estejam.

De facto, vi e ouvi o mesmo rosto e as mesmas palavras em muitos confrades desta Vice-Província e naqueles que nos têm vindo pregar o retiro anual. Um rosto alegre, amigo, compassivo, amável, magnânimo... e a mesma mensagem: « O Espírito do Senhor me ungiu.» É bem verdade que todos os vicentinos têm muito de comum.

Mas a razão desta homogeneidade, está no facto de todos os vicentinos terem a mesma preocupação de "seguir Cristo Evangelizador dos pobres" e ao desejo de anunciar e fazer anunciar o Reino de Deus e a Sua justiça. Deve-se enfim, ao esforço por viver irmanados num único ideal de bem, contra o mal e ao serviço da Paz. Quer dizer: gastar a sua vida "por causa dum certo Reino", como cantou o Padre Zézinho.

Irmão Abílio Muanacalaquenle.


Crónica do Lar

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Depois da abertura do ano lectivo, o acontecimento que mais marcou a vida no Lar Guébra Miguel, nos últimos meses, como cristãos e seminaristas, foi, sem dúvida, a Páscoa do Senhor.

O Tempo da Quaresma que nos foi preparando pouco a pouco para o dia que fez o Senhor, adensou-se na Semana Santa, a Semana Maior.

No Seminário Propedêutico de Cristo-Rei, durante essa semana não houve aulas. Os primeiros três dias foram de retiro para os aspirantes. O pregador, um padre Servita, falou-nos da Vocação e Reconciliação. Foram dias de proveitosa meditação e encontro com o Senhor.

O Tríduo Pascal foi na nossa Paróquia do Fomento tanto para os aspirantes como para os estudantes admitidos. O P. Silva não esteve connosco, já que por razões de saúde do P. Modesto teve de acompanhar os cristãos de Xinavane. O P. Domingos colaborou na Paróquia da Malhangalene.

O Domingo da Ressurreição foi celebrado em casa, cantando alegres, gritando: "Aleluia, Cristo Ressuscitou". Depois da Boa Nova da Ressurreição, recebida na Eucaristia, foi ocasião de comunicar a nossa alegria no arranjo do nosso refeitório com flores e cartazes para receber os irmãos: o P. Luciano, o Ir. Silva e os dois noviços, Pedro e Paulo. Não faltou a música para dar a tonalidade de Ressurreição.

No dia seguinte, segunda-feira de Páscoa, realizamos o nosso passeio comunitário à famosa Praia da Macaneta. Depois de chegar a Marracuene foi necessário atravessar, de batelão o rio Incomati e andar alguns quilómetros, sem conhecer o rumo. Mas chegamos!
Jogámos, tomamos banho..., mas quando o nosso carro regressava de levar a D. Lídia, que nos acompanhou durante a manhã como os seus filhos mais novos, eis que subitamente caímos numa armadilha: uma cova profunda feita por gente de má fé... Graças a Deus, com ajuda dum reboque de turistas sul-africanos conseguimos sair... Na vinda regressamos na companhia dos estudantes sacramentinos e seu formador, que também tinham aproveitado o dia para passeio.

Iniciamos um Campeonato Desportivo Inter-Seminários, organizado pelo Seminário de Stº Agostinho. É uma forma de convivermos com as outras casas de formação.

Uma referência final aos irmãos José e Abílio e aos aspirantes Hélio, Virgílio e Danilton que celebraram o seu aniversário, que para nós é ocasião de alegria e gratidão. Para eles desejamos o melhor: sucessos e muitas felicidades; muitas graças da parte de Deus; bom testemunho na caminhada...

O cronista

Artivo Cossa


O Papa pede missionários para Moçambique

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No Jubileu dos 500 Anos da entrada do Evangelho em Moçambique, o Papa João Paulo II, recorda que a Eucaristia foi "o portal sagrado por onde Jesus Cristo" entrou naquela terra. Salienta igualmente que "poder-se-ia dizer que Deus fez Moçambique eucarístico; vejo o seu povo crente que se oferece a Deus para ser Eucaristia".

João Paulo II lembra igualmente o problema de nem todas as comunidades terem Missa Dominical, e aponta algumas soluções, concretamente, "que cada padre leve o conforto da Eucaristia a uma comunidade mais que seja", que o presbitério moçambicano "seja acolhedor para os sacerdotes missionários e religiosos", que os bispos acolham todas as vocações locais e as acompanhem pessoalmente, e que "os missionários estrangeiros e os locais vivam integrados num só presbitério, como uma só família".

O Papa salienta também que o verdadeiro desafio está na "urgência de evangelizar".

Nesse sentido o Papa desafia os bispos moçambicanos a provocarem uma "vaga de missionários" para esta evangelização e desafia também a Igreja Universal, mencionando mesmo Portugal, desafiando-o a enviar missionários para evangelizar Moçambique.

In Agência de Notícias "Eclesia"

 


Um novo Seminário!?

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Em Moçambique, a caminhada rumo ao sacerdócio está ligada a dois grandes edifícios: o Seminário de S. Pio X – de quem foi primeiro reitor o nosso Bispo D. César – destinado à Teologia; e o Seminário Filosófico de Stº Agostinho, construído em 1991. Aqui residem os seminaristas das 10 dioceses de Moçambique e estudam também outros, de várias congregações e institutos religiosos.

A entrada nestes Seminários está relacionada com a passagem pelos três Seminários Propedêuticos, de Nampula, Beira e Maputo, respectivamente do Norte, Centro e Sul de Moçambique. Algumas dioceses apostaram também nos Seminários Menores, como forma de acompanhamento e discernimento vocacional. É o caso da Diocese do Xai-Xai, onde se encontram os nossos confrades mexicanos.

Construir um novo seminário a norte!? A resposta parece clara e as razões óbvias: um número excessivo de alunos nos actuais seminários maiores; viagens de milhares de quilómetros com os seus perigos e consequências económicas; falta de comunhão dos seminaristas com os seus bispos e a suas dioceses; a formação pastoral desenraizada... Tudo isto sugere uma resposta afirmativa e urgente.

Então, porquê o ponto de exclamação a ensombrar a resposta?

Num encontro de professores em que participei, no passado dia , foi dito claramente que se espera uma descida drástica do número de estudantes a admitir no Seminário de Stº Agostinho – vindos particularmente do Norte. Foram apontadas várias causas compreensíveis: a lenta mas progressiva melhoria das condições de vida; novas oportunidades de emprego; maior número de escolas, até mesmo de Ensino Superior, como é o caso da Universidade Católica...

Mas uma razão me deixou particularmente perplexo: o conceito negativo do padre-jovem. Explico. Quando se fala dos padres ordenados há pouco tempo, parece que a imagem mental que se forma nas cabeças das pessoas tem contornos negativos e problemáticos, por motivos bem concretos. Uma imagem negativa para os seminaristas que frequentam os seminários e se interrogam sobre o futuro; negativa para os clérigos e religiosos, em conversas de bastidores; negativa para as comunidades cristãs, seus animadores e párocos que se recusam a colaborar na pastoral vocacional...

Então!!? Valerá a pena construir um novo seminário?

Fácil é cair no desânimo, fugir para trás e desistir de lutar. Evangélico é fugir para a frente ultrapassando as dificuldades animados pela esperança e fé cristãs. Por isso se concluiu nesse encontro que construir um seminário – para além da estrutura física arquitectónica que por si deveria também ajudar a formar "o sacerdote que queremos para a nossa igreja"— deve significar sobretudo o esforço de um Seminário Renovado, uma pastoral vocacional renovada, um salto de qualidade no acompanhamento e formação daqueles jovens que continuam a ser atraídos pelo ideal de Cristo.

Se a pastoral das vocações surgiu na Igreja e para a vida religiosa, em boa parte como receio de extinção, hoje deve ser entendida como certeza de que em cada baptizado está plantada uma semente de vocação que espera ser descoberta. E entre as várias vocações está também a vocação religiosa e sacerdotal.

Se, em Moçambique, a pastoral vocacional e a obra dos seminários surgiram da emergência da resposta a uma situação de crise e da exigência de consolidar a Igreja Local, hoje deve tornar-se estável e coerente. Uma ideia proposta como imagem pelo Reitor do Seminário de Stº Agostinho: "chegou o tempo de deixar de abanar a árvore para apanhar a fruta que cai ao chão e preparar-se para ir colher a fruta sã que está na árvore". Quer dizer, chegou a hora de investir mais na qualidade, mesmo que seja à custa da quantidade.

Mas para isso é preciso ser ousado, dolorosamente corajoso, para cortar ramos estéreis, para tomar as decisões que devem ser tomadas, resolver os "casos" que se arrastam sem solução. Só assim se recuperará a imagem do padre jovem com os valores que naturalmente o devem caracterizar: a alegria da doação, a verdade do compromisso, o sonho e idealismo da juventude!

Que a realidade breve do seminário novo, a Norte de Moçambique, signifique também o Novo Seminário, coração pulsante deste edifício de pedras vivas que é a Igreja Moçambicana!

Rainha dos Pastores, rogai por nós.

P. Domingos


Seminários vazios em Angola

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Os alunos dos Seminários de Angola vão todos cumprir o serviço militar. Pela primeira vez na história de Angola, o Governo leva à prática o serviço militar obrigatório. E não admite excepções, nem para os seminaristas. Até ao fim deste mês de Abril, todos os jovens nascidos em 1978 têm que se apresentar nos quartéis, para cumprir o seu serviço militar.

A lei militar angolana, por nunca ter sido aplicada à letra em relação a algumas classes de pessoas entre as quais os alunos dos Seminários, não obteve reparos nem assustou os responsáveis da Igreja Católica ou de outras igrejas. Neste momento, porém, as penalizações anunciadas não só aos que se não apresentarem, mas também às escolas ou empregadores que mantenham à sua responsabilidade algum jovem nascido em 1978, são dissuasoras de qualquer tipo de desobediência ou clandestinidade.

Colocados entre a espada e a parede, os responsáveis dos Seminários, diocesanos ou religiosos, e das diversas instituições de ensino da Igreja, não tiveram alternativa que não fosse alinhar pela lei geral, excluindo bem contra vontade, nesta fase do ano, todos os seus alunos nascidos em 1978.

Com o anúncio da incorporação dos nascidos em 1979, a levar a efeito durante o próximo mês de Julho, e dos nascidos em 1980, no mês de Janeiro do ano 2000, o Governo acaba por chamar à vida militar, em menos de nove meses, a maioria dos alunos dos Seminários.

A este grupo de jovens, juntam-se todos aqueles seminaristas de filosofia e de teologia, nascidos em anos anteriores e que, terminada a teologia, terão que cumprir o seu serviço militar, de cujo adiamento têm

beneficiado nos últimos anos de estudos. Teremos assim, pelo menos cinco anos sem ordenações sacerdotais e, no mínimo, três anos seguidos sem alunos nos Seminários e nas instituições de ensino.

Acrescentemos que, em Angola, o serviço militar tem um mínimo de dois anos e meio, mas os
responsáveis militares nunca garantem o seu termo.

In Agência de Notícias "Eclesia"


JMV do Chókwe

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O nosso grupo iniciou as actividades do novo ano de 99, no dia 3 de Fevereiro. Nesse dia fomos convocados para um Encontro de Oração sobre a figura de Deus Pai.

Começamos com a narrativa pela leitura do Primeiro capítulo do Livro do Génesis, acompanhada por belos slides, que nos fizeram admirar as maravilhas da Criação.

Num segundo momento procuramos tirar conclusões práticas da mensagem do texto:

 Ser imagem de Deus, neste mundo, significa imitar o próprio Deus, fazer o que ele fez: criar ordem, enfrentar as forças do mal, cuidar do meio ambiente, ser criativos...

 O projecto de amor de Deus exige uma resposta. Por isso assumimos o compromisso pessoal de fazer o nosso projecto pessoal de vida.

Terminamos o encontro louvando a Deus com o Salmo 8.

Mas a reflexão sobre esta mensagem prolongou-se pelos encontros das semanas seguintes: a necessidade de sermos criadores, produtivos, de dar frutos...

Aqui, a passagem evangélica da figueira estéril ajudou a aprofundar e iluminar este tema: com quem compararemos a figueira? O que nos impede de dar fruto? Porque não damos frutos bons? Quando é que não estamos a criar, mas sim, a destruir?

Estas interrogações criaram em nós a necessidade de uma Celebração Penitencial, que teve lugar no dia 3 de Março. Todos participaram na preparação!

Aproveitando a imagem da figueira que não dava fruto, presidiu à nossa celebração uma árvore seca, rodeada de capim.

Num primeiro momento – o Rito Penitencial – cada participante com um gesto simbólico arrancava um pouco do capim declarando em voz alta aquilo que o impedia de dar fruto... Os que estavam preparados foram ao encontro do sacerdote para receber o perdão sacramental.

Num segundo momento – Acção de graças – cada um, em papel de cores diferentes escreveu o seu projecto pessoal que colocou na árvore, como se fossem frutos.

Entretanto todos cantávamos: "Quero dizer que sim, como tu, Maria..." No fim a nossa árvore estéril ficou cheia de bons propósitos. Que Maria nos ajude a passá-los para a vida!

Seguiram-se outros cantos vibrantes de alegria e depois a Eucaristia, em ambiente de festa.

O canto do Magnificat significou o nosso desejo de nos colocar nos braços de Maria, estímulo da nossa fé e guia do nosso caminhar.

Ao P. Alexis agradecemos a disponibilidade e palavras de ânimo para o grupo.

 Chókwe


Assembleia Internacional Vicentina, em Fátima

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Realizou-se de 12 a 18 de Abril, em Fátima a Assembleia Internacional Vicentina. Pela primeira vez Moçambique esteve presente, representado pelo Presidente do Conselho Particular e pelo P. Luciano Ferreira. Ao todo cerca de 80 países, em representação dos 5 continentes.

O Conselho Geral criou três grupos de trabalho para debate dos seguintes temas:

 Estudo do Regulamento e Organização;

 Relações com os não-católicos;

 Desenvolvimento e solidariedade.

Moçambique esteve no primeiro grupo onde se trataram estes pontos: princípios fundamentais, funcionamento do Conselho Nacional, Conselho Geral.

O que mais sobressaiu foram as enormes dificuldades de alguns países e o facto de alguns sacerdotes dificultarem e existência e o trabalho das Conferências.

No relatório apresentado, o Presidente Geral fez referência a Moçambique que apesar das dificuldades se tem esforçado, tendo mesmo mencionado a Conferência do Divino Espírito Santo e a obra desenvolvida pela Conferência dos Jovens.

No encerramento deixou um apelo a todos – e de modo especial aos Jovens continuadores da Obra de Ozanam – no sentido de prosseguir o trabalho.

Gustavo Pioris


A formação apostólica

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Em geral, quando falamos da casa de formação dos padres vicentinos, referimo-nos, à formação espiritual, humana e intelectual. Mas, o nosso crescimento naquilo que se refere ao nosso ser vicentino, vai mais além, visa fazer como Jesus Cristo fez aqui na terra. S. Vicente viu nos pobres a imagem do Cristo sofredor. Por isso os pobres são para nós, vicentinos, o lugar social, autêntico e determinante, é nos pobres que construímos o rumo a Deus.

Evangelização e Caridade (espírito e Fé) caracterizam a nossa formação apostólica nesta casa. Para S.  Vicente evangelizar é tornar efectivo o Evangelho, quer dizer, não só anunciar os ministérios da evangelização, mas, também realizá-los, praticá-los. Encarnar o Evangelho em nós e nos pobres. Mostrar à gente que é preciso mudar o mundo numa sociedade de perfeita caridade. E para S.  Vicente o compromisso com os pobres é a exigência e o critério unificador da evangelização vicentina.

Portanto na tentativa de isto realizar, encontrámo-nos divididos em diferentes áreas de evangelização: Para o Albergue (casa dos velhos necessitados), todos os sábados sai um grupo de estudantes para dar o seu testemunho de filhos de Vicente de Paulo, com opção preferencial pelos pobres. Aqui esses seminaristas escutam-nos, conversam, ajudam-nos nalguns trabalhos tais como: cortar cabelo, unhas, preparar alimentos, manutenção da casa... E para além do albergue, outros lugares espalhados pelo bairro todos os dias convidam o seminarista vicentino a se realizar na sua vocação.

Na Paróquia do Fomento, perto da nossa casa, sete vicentinos, apoiam na catequese e noutras actividades que a paróquia lhes propõe. Na comunidade de Stª Ana de Mastrongo, estou com mais três catequistas vicentinos. Esta comunidade desenvolveu-se a partir de um núcleo, depois foi construída uma escola comunitária. Hoje temos uma capela e uma escolinha, que custaram esforço local e ajuda do pároco. É uma comunidade que carece de muito carinho, amor e sobretudo, apoio espiritual e material. Desde a sua génesis a casa de formação Btº Guébra Miguel, dispensou a sua mão caridosa.

Neste ano, ajudamos na caridade, catequese, liturgia, nos encontros com a JUMAR, e acólitos, e noutros ministérios. Esta comunidade procura ser autónoma e independente da paróquia da Liberdade em vários aspectos de interesse local. Temos como responsáveis uma Irmã Diocesana, um Leigo que faz a celebração da palavra e dá comunhão aos fieis. Temos também mamanas que apoiam a comunidade moral e espiritualmente. Ao Pároco, devemos gratidão pela sua disponibilidade em nos deixar manifestar o nosso ser vicentino e nos orientar. Seminaristas diocesanos partilham a experiência comum.

Ao concluir esta pequena partilha gostaria de dizer que, quer na caridade, quer na catequese sentimos que o Espírito Santo nos move e nos dá força de procurar sempre fazer felizes aqueles a quem nos destinamos.

Cinema C. In’ueiua

 


Com o José Rombe

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A 25 de Janeiro de 1997, entrou no seminário interno e no dia 25 de Janeiro do ano seguinte fez o seu Bom Propósito. Este ano está a concluir os seus estudos filosóficos no seminário Santo Agostinho da Matola e já vê desenhada a perspectiva da Teologia. Falo-vos do Ir. José Rombe a quem entrevistei, nesta semana de oração pelas vocações.

Abílio – Ir. José conte-nos brevemente a sua biografia enquanto membro admitido.

José – Antes de mais, quero agradecer ao Ir. Abílio e também ao Tambor Vicentino este espaço para que se faça eco daquilo que penso que sou hoje e quero ser amanhã.

Eu enquanto membro admitido "nasci" no dia que referiste, na casa de formação da Matola. Aqui iniciei a minha experiência de noviciado e depois, fui para Machel. Ali, por um ano com a ajuda de vários Mestres adquiri o conhecimento concreto dos pobres, suas aspirações e seus problemas. Conheci a biografia dos santos da Congregação, particularmente S. Vicente de Paulo, a história da Congregação e suas tradições.

Para além do Machel, passei algumas semanas nos estágios de Chongoene e de Chókwe.

Em 1998 fiz o Bom Propósito e este ano fiz a renovação. Desta maneira procuro seguir o caminho do Senhor.

A. Como surgiu a sua vocação?

J. – Posso dizer que desde a infância, houve várias experiências ao longo da minha vida, de encontro com Deus. E foram elas que me suscitaram a pergunta: o que é que Deus quer da minha vida?

A minha grande preocupação sempre foi não desaproveitar este dom que Ele me oferece para que a minha vida possa ter um sentido valioso.

A. – Quais foram as pessoas ou acontecimentos que mais influenciaram a opção pela C.M.?

J. – Os caminhos de Deus são misteriosos... Mas, talvez, possa responder o seguinte: Eu era um adolescente quando comecei a frequentar a catequese, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima da Namaacha. Depois da minha primeira comunhão, tornei-me acólito, membro do grupo dos jovens, e membro activo da minha Paróquia.

Ora por um lado, durante as Missas a comunidade costumava rezar pelas vocações e eu sentia-me visado, como se estivessem a chamar-me, cada dia que rezavam; e por outro, os meus familiares diziam-me que fosse sacerdote.

E isso inquietava-me de tal modo que um dia tive que marcar a encontro com a minha catequista Filha da Caridade brasileira, a Ir. Maria das Mercês.

Eu abri-me totalmente e partilhei com Ela a minha vida. Passei a ter encontros regulares com Ela, nos quais me falava do carisma do santo da caridade e de Santa Luísa de Marillac.

Neste período li muita literatura vicentina, e foi assim que eu descobri o que eu queria. Algum tempo depois Ela disse-me que podia falar também com o Sr. P. João Costa, e não perdi tempo. Já tinha dois Mestres a ajudar-me a fazer a caminhada vocacional. E quando chegou o tempo, o Sr. P. João encaminhou-me para a Casa de Formação. Agradeço a ambos o apoio directo que deram à causa da minha vocação.

A. – Ir. José é membro admitido há três anos. Acha que é fácil ser membro Vicentino nos nossos dias?

J. – Bem, fácil não é. Mas eu não digo que é difícil já que estou onde pedia para estar. Dificuldades sempre existem em qualquer tipo de compromisso; e são um teste para saber se serei fiel naquilo que Deus me pede.

A. – O que é que sente neste ano em que está a terminar os seus estudos filosóficos?

J. – Apesar de faltar ainda um pedaço de tempo para a iniciação teológica sinto-me mais próximo da minha vida activa em "plenitude".

A. – Que mensagem gostaria de deixar sobretudo àqueles que aspiram a ser Vicentinos como tu?

J. – Eu olho com muito apreço a vocação religiosa, em especial, a sacerdotal. E quem nela entra deve ser exigente consigo mesmo dando o máximo que puder do seu esforço. Esta etapa destinada à formação, ou aquisição de hábitos e de personalidade, não se repete. Daí que é necessário saber aproveitar este tempo muito rico para os destinos do futuro.

Pelo seu colega

Ir. Abílio Muanacalaquendle


EPISÓDIOS DA VIDA Missionária EM MOÇAMBIQUE

Três momentos, na vida do vale do Limpopo.

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Chókwe: últimos meses de 1995.

Ainda recordo, quase conservo intacta na retina e na epiderme a sensação dos primeiros contactos da nova realidade que vim encontrar. Foi como cair de improviso no meio daquela "terra árida, ressequida e inaquosa" de que fala o Salmo. Em frente da minha janela da Residência Paroquial estende-se o adro da igreja, seco, desnudo, esburacado, lugar de passagem quotidiana de gentes de aspecto famélico ou mal nutrido, e de pequenos rebanhos de cabritos, que deambulam de um lado para o outro rapando o chão. Mas, mais que restos de capim, o que rapavam era a terra poeirenta. Os campos, que, por trás da igreja, se estendem até ao canal e ao rio, eram desertos sem sinal de verdura; os restos do ressequido capim tinham a cor pardacenta da terra. É que também o grande rio Limpopo e o seu Canal do antigo Regadia não passavam nessa altura de duas longas depressões secas, onde os vestígios de água há muito haviam desaparecido.

E os ventos? As ventanias inesperadas e quase ciclónicas levantavam gigantescas nuvens de poeira que avermelhavam o sol e sufocavam as pessoas

Alguns dias depois desloquei-me à Aldeia da Barragem – "barragem" porque ali, a travar as águas do rio Limpopo, fora lançada aquela extensa e elegante Ponte-Açude. O armazenamento e elevação das águas permitiriam desviá-las para o extensíssimo canal de irrigação desta enorme planície. Fui ver.

A Ponte-Açude lá estava no seu lugar. Mas água armazenada, não havia nenhuma...A bacia da albufeira era uma enorme depressão vazia, seca, ressequida, gretada; um chão seco sobre o qual, como os Israelitas no Mar Vermelho, as pessoas passavam calmamente fazendo seu caminho mais curto para a outra margem.

E reinava a fome, a pobreza a miséria, a impossibilidade de higiene, o desleixo daí resultante. As pessoas, adultos e crianças, apesar da sua habitual descontracção e alegria, davam a impressão de desconsoladas, esfomeadas, desesperançadas. E não era para menos...

Se Deus lhes fizesse a esmola da sua chuva benfazeja...

Noite de Natal de 1995.

Fui celebrar o Nascimento do Deus Menino à velha capela de Santa Teresinha do Caniçado, aqui perto, do outro lado do rio – do que fora rio e agora não era, "terra árida e inaquosa"...– Noite quente, abafada, a prometer possíveis trovoadas. E estas vieram com suas chuvas abundantes. O Menino Jesus pusera, no "sapatinho" desta gente sequiosa e faminta a fartura de trovões, relâmpagos e chuvas, promessa de futuras colheitas.

No outro dia desloquei-me à Sede da Missão, em Bique, a celebrar lá também o Natal do Menino e a agradecer com o povo o benefício da chuva de Deus. Pois no caminho, por três vezes fiquei bloqueado nos falsos terrenos de matope, a argila negra, apesar do Toyota Todo-o-Terreno. O povo alegremente me veio auxiliar.

E as chuvas benfazejas continuaram a cair durante vários meses do novo ano; com abundância; com superabundância. As barragens de Massingir e de Macarretane encheram, o rio voltou a ser rio, o canal pôde retomar a sua função de canalizar a água para as plantações do arroz. A abundância foi boa, a superabundância nem tanto: – o rio e o canal transbordaram e a planície virou mar imenso. O povo sofria agora com o excesso das águas; mas não rogou pragas a Deus; sorria com a esperança de futuro mais risonho.

E ele veio.

Renasce a esperança

Como depois do Dilúvio na Bíblia, as águas pouco a pouco começaram a baixar, as terras inundadas voltaram a emergir, os homens levantaram ao Céu as mãos agradecidas e lançaram-se ao trabalho nos campos. Era interessante, era enternecedor acompanhar a luta, luta pacífica, entre o homem e a natureza, luta progressiva, paralela e inversa. Eu explico: recuavam as águas, avançavam os homens; o palmo de terra que hoje ficava livre da inundação já amanhã estava ocupado, trabalhado, semeado. E em breve já a mancha verde das culturas ia alastrando ao longe e ao largo, enchendo os olhos de cor e o coração de esperança.

Duas observações complementares:

 Quando acima falo de homens, nos trabalhos dos campos de regime familiar, para ser mais exacto eu deveria dizer só, ou quase só mulheres. São elas as grandes lutadoras incansáveis, em casa e nos campos. Eles, os homens, ou estão ausentes na África do Sul ou se ocupam de outros trabalhos, ou descansam... bebendo e jogando. – Preguiça? ... Despotismo e escravatura?
– Talvez alguma coisa disso envolta na explicação de costumes tradicionais. Os trabalhos estão repartidos. Ao homem pertence construir a casa, levantar e renovar o celeiro, ir à caça e à pesca, defender a mulher e a família dos possíveis inimigos,...ser chefe da casa. O trabalho de alimentar, de sustentar a vida da família pertence à mãe, é sua função sagrada e exclusiva, em que os homens não devem habitualmente meter mão. Ela é a sacerdotisa do lar, a fonte e garantia da vida...

 A Sul e Nascente de Chókwe, para além de Xilembene até Chalukuane e também muito para Norte até à Barragem, normalmente não se pode falar de terra ressequida e savana árida ou inútil. Com mais ou menos água no rio e canal, há sempre o colorido da verdura nessas imensidões do cultivo do arroz e não só. Este não só inclui além de muita variedade de hortaliças, as grandes manchas verdes do algodão em produção industrial, as imensas plantações das duas grandes empresas João Ferreira dos Santos e Lomaco. As fortes capacidades técnicas e financeiras de que dispõem trazem benefícios para este pobre povo dando emprego a milhares de trabalhadores sazonais. Mas este benemérito altruísmo não estará isento dos interesses económicos de exploração de mão-de-obra barata em países de 3º mundo...
São as regras e as lutas do liberalismo económico!

P. João Costa

Notícias das comunidades

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Da Vice-Província

 Participação na Assembleia Plenária Internacional da Sociedade de S. Vicente de Paulo: A convite do Presidente Geral mundial, Dr. César Viana, esteve presente em Fátima, de 13 a 17 de Abril, durante os trabalhos da 3ª Assembleia Plenária Internacional da Sociedade de S. Vicente de Paulo, o Vice-Visitador P. Luciano Ferreira. Os temas tratados, nomeadamente "Solidariedade e Desenvolvimento", interessam a uma maior comunhão prática da Família Vicentina no mundo, perante as urgências dos pobres. Está prevista ainda para o ano em curso uma Reunião dos Presidentes nacionais da Soc. de S. V. de Paulo dos Países de expressão portuguesa, a ter lugar em Moçambique.

 Estágio dos Seminaristas Pedro e Paulo em Chongoene e Chókwe: Coincidindo com a ausência na Europa do P. Luciano, director do Seminário Interno, os nossos Noviços passaram em Chongoene, de 9 a 18 de Abril, e em Chókwe, de 19 de Abril a 3 de Maio, um tempo especial de iniciação vicentina.
Na comunidade de Chongoene, contactaram os vários campos de missão (promoção, assistência, formação, animação das comunidades, etc.) e aprofundaram a espiritualidade vicentina, mormente as virtudes próprias da Congregação da Missão.
No Chókwe, apoiados pelos confrades do Limpopo e pelas Filhas da Caridade, dedicaram-se, da parte da manhã, ao serviço dos doentes, no hospital do Carmelo, e, de tarde, ao estudo dos Santos da Família Vicentina, da Companhia das Filhas da Caridade, da Vocação e Missão do Irmão na CM, da mística do pobre e das artes literárias e musicais. Além disso, nos sábados e domingos, puderam acompanhar os missionários nas suas actividades junto das comunidades da Zona.

 Tratamento do P. Modesto: "Uma Páscoa diferente" foi a que este nosso confrade passou, segundo a sua própria expressão, no hospital de Johannesburg. Após 3 semanas de internamento, para análises diversas e uma preparação adequada, foi operado numa das pernas para lhe extrair tecidos infestados e lhe introduzir tecidos sãos, prevenindo, assim, uma amputação indesejável]. No dia 12 de Abril, o P. Vice-Visitador, acompanhado do P. Miguel de Lemos, concelebrando com o P. Modesto, já com o enxerto aplicado na perna, verificaram a sua boa disposição e a sua grande comunhão, caldeada pelo sofrimento com as comunidades da zona de Magude e Xinavane, a que se tem dedicado tantos anos, e também com os confrades, irmãs e amigos que o têm acompanhado. Graças a Deus, não lhe faltarm, nesses dias de paragem forçada, visitas encorajadoras e os cuidados esmerados e atenciosos do competente pessoal deste hospital da Diocese de Johannesburg.

 Informações da Nigéria e do Congo: Recebemos, ultimamente, correio do P. Armindo Balói e do Ir. Fernando Mucavele. Ambos enviam notícias positivas, tanto da sua saúde, como do seu aproveitamento escolar.
O P. Armindo apresentará em finais de Junho a sua tese. Depois, passará algum tempo nas Casas de Formação dos nossos confrades nigerianos para, segundo as suas palavras, "tentar recolher todo o programa formativo tanto dos membros da CM como dos catequistas e animadores das Comunidades". Tem recebido regularmente o "Tambor Vicentino", que muito agradece e espera estar de novo em Moçambique, no mês de Setembro.
Quanto ao Ir. Fernando Mucavele, espera poder regressar logo após a conclusão do ano lectivo, pela segunda semana de Julho.

 Cooperação vicentina: Na sua recente passagem por Portugal, o P. Luciano contactou as delegações de Espanha e Brasil à Assembleia de Fátima e bem assim diversos jovens ligados à Juventude Marial e Sociedade de S.V. de Paulo, para lhes falar do nosso campo de missão em Moçambique e os tornar receptivos à hipótese de cooperação nos nossos projectos de formação e de serviço aos pobres, quer em Magude, quer no Limpopo. Pôde mesmo reunir-se com os responsáveis da JMV, em Stª. Quitéria-Felgueiras, no dia 24 de Abril, no sentido de os ajudar a concretizar alguma cooperação.

P. Luciano da Costa Ferreira, CM


Deus vivo para mim...

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É Aquele que me criou com a sua graça,
que me dá sua protecção, dia após dia;
para que eu viva feliz neste mundo,
seguindo os seus planos.

É Aquele que é rico de misericórdia,
que apesar das minhas fraquezas
manifesta em mim o seu perdão,
enchendo-me das suas graças e bênçãos.

É Aquele que pela sua infinita bondade
põe no meu caminho pessoas de sinceridade
para me abrir o invólucro da vocação;
que por intermédio dos formadores
me ajuda a crescer na fé e no amor!

É, portanto,
Aquele que conhece o meu destino
que me dá o caminho e imensa luz
para que eu, cheio do Seu Espírito,
possa alcançar este destino:

A Sua Vontade!

Inocêncio Sipoia

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